
TRANSCRIAÇÃO
DO FALATÓRIO
DE STELLA DO PATROCÍNIO

Transcriação e Tradução
do “Falatório de Stella do Patrocínio”
Stella do Patrocínio (1941-1992) foi uma mulher negra que, através da palavra oral, criou um gênero singular, de grande potência estético-política: o Falatório. Sobre sua vida temos poucas informações: nascida no Rio de Janeiro, Stella tinha 21 anos de idade quando, ao caminhar pelas ruas de Botafogo, foi sequestrada pela polícia e encarcerada em um centro psiquiátrico até o fim da sua vida. Sua internação não pode ser compreendida isoladamente, ela se insere em um contexto histórico marcado pela ditadura militar, pela desigualdade social e por tradições científicas pautadas por ideias eugenistas a respeito de raça e gênero, que patologizam sujeitos dissidentes ou com comportamentos que escapem de uma moralidade instituída. A compreensão da pobreza e da diferença, a partir de racionalidades médicas ou criminalizantes, individualizam questões de desigualdades sociais, tornando sofrimentos que advêm de injustiças passíveis de serem tratados com encarceramentos, diagnósticos e drogas.
Temos acesso ao Falatório de Stella pelos prontuários médicos; pelo registro em áudio de trechos dele feito por Carla Guagliardi no final da década de 1980, durante as oficinas do Projeto de Livre Criação Artística, realizadas na Colônia Juliano Moreira, sob supervisão de Nelly Gutmacher; e pelo registro escrito realizado, no começo da década de 1990, por Mônica Ribeiro Souza. Atualmente, os arquivos de áudio, que totalizam 1 hora, 30 minutos e 49 segundos, estão disponibilizados para acesso público, de forma gratuita, no repositório da UNILA, como resultado da pesquisa de Sara Martins Ramos, permitindo novas aproximações ao Falatório.
Apresentamos, nesta página, o processo em curso de uma transcriação — isto é, transcrições criativas escutatórias — desses arquivos do Falatório e convidamos todas as pessoas interessadas a se juntarem a nós. Essa transcriação começou como um exercício para refletir sobre a tradução do Falatório para o espanhol, mas acabou ganhando força e espaço próprios, ainda que permaneça vinculada ao projeto de tradução, que futuramente também será divulgado neste espaço.
Embora as oficinas de arte na Colônia Juliano Moreira, que faziam parte do processo de reforma psiquiátrica em curso à época, e a instituição literária tenham dado visibilidade e possibilitado os primeiros gestos de escuta do Falatório, estudos recentes, como os de Ariadne Catarine dos Santos, Anna Carolina Zacharias, Bruna Beber e Sara Ramos, mostram que Stella do Patrocínio ainda não foi suficientemente escutada. Daí a necessidade de voltar a escutá-la como parte de um processo aberto de reparação e justiça — tanto para ela, quanto para outras pessoas que sofreram violências semelhantes —, que envolve necessariamente o conjunto da sociedade. Escutar de novo Stella quer dizer, em primeiro lugar, confrontar as nossas limitações de escuta.
As falas e os diálogos de Stella do Patrocínio com suas interlocutoras compõem um legado singular dentro da cultura brasileira, reverberando poesia, oralitura, metáforas e reflexões existenciais, denúncias à instituição, perspectivas afiadas sobre o racismo, a cidade e o direito às ruas, dentre outros temas caros e urgentes no nosso presente.
Portanto, o projeto de “Transcriação e Tradução do Falatório de Stella do Patrocínio” dialoga e soma esforços com outros gestos já realizados por pesquisadores e artistas, visando honrar o percurso e a vida de Stella, além de proporcionar maior acesso e divulgação do seu legado para que o falatório chegue o mais longe possível.
Este projeto é desenvolvido pelo Laboratório de Tradução da Unila em parceria com Paqueletra